Transformação digital na América Latina: quem disse que aqui só tem samba e burocracia?

17 de setembro de 2025

por Redação The Shift

Transformação digital na América Latina: quem disse que aqui só tem samba e burocracia?

Os pilares da transformação digital na América Latina estão se alinhando para um novo ciclo de crescimento. A região combina uma economia de US$ 6,8 trilhões, com PIB crescendo a 5,4% ao ano (2019-2024), superando a média dos Estados Unidos (2,9%) e Europa (2,8%). Para dar o tão esperado salto, precisa reduzir a informalidade (que chega a 33% do PIB em alguns países), desemprego e baixa produtividade em relação aos padrões. A boa notícia: o processo de digitalização pode ser usado como alavanca de eficiência e a tecnologia para reduzir a lacuna.

Na América Latina, a adoção da Inteligência Artificial (IA) avançou com velocidade impressionante: 48% dos brasileiros e 43% dos mexicanos usaram ferramentas de IA na semana anterior à realização da pesquisa “Latin America Digital Transformation Report 2025”, recém-divulgada pela Atlantico. “O potencial de criação de valor na América Latina na próxima década será de centenas de bilhões de dólares, se não trilhões”, aponta Julio Vasconcellos, sócio do Atlantico

O levantamento, que teve como tema “o fim do atrito”, mostra que 30% das startups latinas já são “AI-native”, ou seja, têm a IA como parte central de seu modelo de negócios. Além disso, 35% usam IA extensivamente em operações internas, e 41% declaram ter reformulado processos e papéis na empresa devido à IA.

IA, data centers e energia limpa

Empresas e consumidores estão adotando a IA “agressivamente”, com players nativos de IA superando os rivais. Empresas como a CloudWalk registram receitas 2 vezes maiores por funcionário do que as chamadas empresas de “segunda geração” e 4 vezes mais do que as tradicionais da “primeira geração”. A fintech, que faz uso intensivo de IA em atendimento, detecção de fraudes e marketing, atingiu R$ 4,2 milhões de receita por funcionário, superando players como PagSeguro (R$ 2,3 milhões) e Cielo (R$ 1,1 milhão).

A demanda crescente por IA e computação em nuvem coloca a América Latina em uma posição de destaque para se tornar um novo polo global de data centers. O investimento da Microsoft de US$ 2,7 bilhões para expansão de infraestrutura em São Paulo e a chegada da AWS ao Chile com US$ 4 bilhões marcam essa virada. Em abril, o governo brasileiro anunciou uma política para isentar data centers de impostos federais.

Brasil, Chile, Colômbia e México oferecem matrizes energéticas limpas, com mais de 85% da energia gerada por fontes renováveis, e poderiam atender ao aumento estimado de 3,5 vezes na demanda por capacidade de data centers até 2030. 

PMEs, força de trabalho e inclusão financeira

As pequenas e médias empresas (PMEs) respondem por 60% da força de trabalho na América Latina, mas geram apenas 25% do PIB, em contraste com os EUA, onde contribuem com 44% do PIB. Parte do gargalo está no tempo gasto com burocracia: em média, até 26% da semana de trabalho são gastos em atividades burocráticas, de conformidade regulatória. Segundo a Atlantico, igualar os benchmarks globais de eficiência regulatória pode gerar US$ 100 bilhões em crescimento adicional de PIB na região.

A região América Latina vive uma transição do “capital humano escasso” para uma fase de abundância qualificada. Plataformas como Start Carreiras conectam empresas, universidades e estudantes, já com mais de 700 mil alunos e 56 mil empresas cadastradas. Além disso, a cultura de startups está sendo impulsionada por ex-funcionários de unicórnios, que fundam novas empresas e alimentam um ciclo virtuoso de inovação – o chamado efeito-máfia do Vale do Silício tropical. O mapeamento da Atlantico mostra que 131 empresas fundadas por ex-unicórnios obtiveram “6vezes o capital (e as avaliações) no seed e 3 vezes na Série A” (com a “Máfia Rappi” produzindo o máximo).

A digitalização financeira avança com soluções adaptadas ao cotidiano latino-americano. Um exemplo é o Jota, conta bancária e assistente financeiro nativa do WhatsApp. Em apenas seis meses, multiplicou por 18 sua base de usuários. Outro destaque é o uso de stablecoins como reserva de valor e meio de pagamento em contextos de inflação ou desconfiança institucional, principalmente na Argentina e na Venezuela.

E o Brasil?

O Brasil lidera lidera mundialmente a digitalização de serviços públicos com o Gov.br, que já cobre 82% da população, com meta de universalização até 2027. Desde 2020, o governo economizou R$ 9,7 bilhões, com mais de 2,1 bilhões de acessos automatizados ao sistema. A abertura do Gov.br para o setor privado em 2025, com APIs para bancos e fintechs, marca um novo capítulo, democratizando o acesso à identidade digital e pressionando soluções privadas a se diferenciarem por inteligência e não apenas infraestrutura.

O Brasil está entre os 3 principais mercados globais para o ChatGPT, com uma base de usuários de aplicativos móveis que rivaliza com a dos EUA e que representa 25% da população brasileira. Quase metade (48%) dos brasileiros usaram ferramentas de IA na última semana, e 42% relatam uso diário. Quando se trata de redes sociais, 97,9% da população são usuários 

O país também é líder em tempo passado na Internet: o brasileiro passa, em média, 9,2 horas conectado à rede.

  • 77% buscam informações na Internet
  • 69% pesquisam como fazer coisas
  • 67% usam para falar com amigos e família

Embora pressionado por tarifas dos EUA, o Brasil é menos vulnerável que o México graças à sua diversificação de exportações. A adoção massiva de IA, o crescimento do ecossistema e de hubs de startups e avanços e infraestrutura energética e tecnológica podem transformar o Brasil em líder digital na América Latina.

 


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