A IA quer conversar sobre o seu aumento

22 de outubro de 2025

A IA quer conversar sobre o seu aumento

O uso de algoritmos de IA na gestão salarial cresce em todo o mundo. Plataformas de trabalho e departamentos de RH já testam modelos como GPT-4o, Gemini e Claude para recomendar quanto pagar a freelancers e funcionários — em busca de eficiência e justiça. Mas um novo estudo da McGill University, chamado When AI Sets Wages: Biases and Labor Discrimination in Generative Pricing, mostra que o efeito pode ser o oposto: os modelos tendem a inflacionar valores, reforçar desigualdades geográficas e premiar a idade, tudo isso com aparência de neutralidade técnica.

 

Para testar, os pesquisadores alimentaram 60 mil perfis reais de freelancers em oito LLMs. A média cobrada por humanos era de US$ 23,60 por hora. As máquinas sugeriram entre US$ 30 e US$ 46 — um aumento de até 90%. À primeira vista, salários mais altos parecem bons para os freelancers. Na prática, reduzem oportunidades de contratação. Já para os empregadores, criam aumento e imprevisibilidade de custos. A IA aprendeu a precificar o trabalho, mas ainda não a entender o que é justo.

 

Empresas que planejam integrar IA a políticas de remuneração precisarão aplicar a mesma disciplina usada em finanças e segurança cibernética: auditar, versionar e justificar cada decisão automatizada. A IA pode oferecer a base factual — “o modelo sugere X % de aumento considerando performance, tempo desde o último reajuste, mercado” —, mas a validação final e a narrativa da decisão continuam responsabilidade dos gestores, que conhecem a história por trás dos números.

 

Se não forem controlados, os sistemas de IA arriscam reforçar, ou até mesmo ampliar, as desigualdades, em vez de reduzi-las. Treinamento, programação e instruções definem os resultados. A fixação de salários por IA só será mais justa se os modelos forem projetados e governados de modo a reduzir vieses.

 

Os pesquisadores testaram como diferentes abordagens de estímulo afetavam o viés potencial, instruindo os modelos a considerar ou ignorar atributos específicos não relacionados a habilidades, como gênero, localização e idade. Em todas as variações, geraram quase 4 milhões de decisões salariais de IA por meio de consultas à API.

 

Nesse particular, a boa notícia do estudo é que os modelos de plataformas para freelancers testados, como Fiverr, Freelancer.com e Upwork, não reproduziram viés de gênero. Mesmo sob prompts enviesados, não penalizaram mulheres. Só quando instruídos explicitamente a discriminar é que o fizeram.

 

Mas isso está longe de significar neutralidade. Idade e localização continuam a definir remuneração. Um perfil idêntico nos EUA vale US$ 71; nas Filipinas, US$ 33. E um freelancer de 60 anos recebe, em média, 46% a mais que um de 22 anos com as mesmas credenciais.

 

O estudo desmonta a ilusão do “trabalhe de qualquer lugar”. Mesmo sem fronteiras físicas, a IA mantém o mapa do poder econômico global dentro do código. Freelancers de países emergentes são precificados para baixo, enquanto os de mercados ricos continuam recebendo mais.

 

Para empresas globais, isso significa riscos regulatórios e reputacionais: o mesmo algoritmo que ajusta preços também pode ser acusado de discriminação algorítmica internacional — um tema que já aparece em consultas da OECD e da Comissão Europeia.

 

A descoberta mais relevante para lideranças de negócios e de RH é que a governança começa no prompt. Quando os modelos foram instruídos pelos pesquisadores a ignorar a localização, o hiato entre EUA e Filipinas caiu de 106% para 25%. Já o viés de idade permaneceu quase intacto, mesmo sob ordens explícitas.

 

A conclusão dos autores do estudo? Prompts devem ser tratados como artefatos auditáveis, sujeitos a compliance e a revisão externa. O texto de entrada pode determinar se o sistema discrimina ou não — e, portanto, se a empresa viola princípios de equidade.

 

Por que isso importa?  

 

No curto prazo, companhias que usam IA para definir faixas salariais precisam criar camadas de governança TRiSM (Trust, Risk and Security Management): auditorias independentes de prompts, documentação de versões e human-in-the-loop nas decisões de remuneração.

 

No médio prazo, a transparência sobre critérios de precificação deverá ser exigência regulatória. O estudo recomenda que plataformas informem claramente quando e como a IA define salários, permitindo contestação por parte dos trabalhadores.

 

Executivos de RH e CFOs devem ter em mente que, ao mesmo tempo que IA pode ajudar a nivelar o mercado, ela também pode criar um “risco invisível de passivo trabalhista algorítmico”. Sistemas que remuneram com base em dados preditivos (idade, local, “tolerância a baixos pagamentos”) podem violar leis de equal pay for equal work em várias jurisdições.

 

Em outras palavras: o ROI da automação salarial depende do grau de controle sobre o viés. Sem isso, o ganho operacional pode virar custo jurídico.

 

Competitividade sustentável virá de IA auditável, não apenas eficiente. E de humanos conscientes. Por que, vamos combinar, quem, no fundo, é menos justo? Os humanos ou os modelos que criam e usam?

 

 

 

 

Em muitas organizações globais, o trabalho híbrido tornou-se uma característica permanente. As expectativas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional estão evoluindo tanto para os funcionários quanto para seus empregadores, moldando continuamente um novo mundo do trabalho. 

 

Barômetro de Preferências da Força de Trabalho 2025, da JLL, entrevistou 8,7 mil trabalhadores de escritório em 31 países, incluindo o Brasil, empregados em organizações com mais de mil funcionários em setores como finanças, tecnologia, manufatura e serviços públicos. Uma das descobertas mais relevantes é a de que as necessidades de flexibilidade estão mudando para uma gestão de tempo em detrimento do local de trabalho. Embora a maioria dos funcionários reconheça os benefícios de estar no escritório, a maioria aspira ter alguma autonomia sobre suas horas e como conciliar trabalho e vida pessoal. A experiência de trabalho personalizada é agora uma expectativa universal e um facilitador de desempenho.

 

Um salário mais alto continua sendo o principal motivo pelo qual as pessoas procuram um novo emprego, mas o equilíbrio entre vida pessoal e profissional ultrapassou o salário como principal prioridade enquanto estão no mesmo empregador – citado por 65% dos trabalhadores de escritório em todo o mundo, ante 59% em 2022. Mais da metade dos funcionários (57%) quer maior controle sobre quando trabalham, superando a resposta de 41% para aqueles focados em onde trabalham. Mais de um quarto (29%) dos funcionários prestes a deixar seu empregador estão reavaliando completamente o papel do trabalho em suas vidas.

 

 


 

Conteúdo originalmente produzido e publicado por The Shift.
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