Ciência saiu do jaleco e entrou no P&L

03 de novembro de 2025

Ciência saiu do jaleco e entrou no P&L

O mundo testemunhou momentos simbólicos de convergência entre Ciência pura e ambição tecnológicatrês prêmios Nobel foram anunciados, com uma mensagem em comum: Ciência e estratégia empresarial tornaram-se indissociáveis.

Na Física, John Clarke, Michel Devoret e John Martinis foram reconhecidos “pela descoberta do tunelamento quântico macroscópico e da quantização de energia em um circuito elétrico”. Seus experimentos com junções de Josephson, nos anos 1980, provaram que efeitos quânticos — antes restritos ao mundo invisível dos átomos — também podem ocorrer em circuitos do tamanho da palma da mão. Essa prova de conceito deu origem aos chips supercondutores que sustentam hoje a corrida pela computação e pelos sensores quânticos, tecnologias com potencial de revolucionar segurança de dados, metrologia e exploração espacial.Como resumiu o físico brasileiro José Rafael Bordin: Esse Nobel mostra que a física quântica saiu do mundo invisível e entrou no das tecnologias do dia a dia.”

Na Química, Omar Yaghi, Susumu Kitagawa e Richard Robson se destacaram por transformar a matéria em arquitetura programável. Seus metal-organic frameworks (MOFs) são estruturas cristalinas com cavidades que podem absorver, liberar e modificar moléculas específicas. São, literalmente, “bolsos gigantes” de escala molecular: alguns gramas de MOF-5 contêm uma área interna equivalente a um campo de futebol. O comitê do Nobel destacou seu potencial para capturar CO₂, gerar água no deserto, decompor gases tóxicos e purificar PFAS — aplicações que hoje avançam em pilotos industriais nas áreas de energia, semicondutores e sustentabilidade. Nas palavras do presidente do comitê, Heiner Linke, “essas construções oferecem oportunidades antes inimagináveis para criar materiais feitos sob medida com novas funções.”

E na Medicina, Mary Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi foram premiados por decifrarem a tolerância imunológica periférica — mecanismo que impede o corpo de atacar seus próprios tecidos. Suas descobertas sobre as células T regulatórias (Tregs) e o gene FOXP3 abriram caminho para terapias celulares de precisão imunológica, capazes de prevenir rejeições em transplantes e controlar doenças autoimunes sem comprometer o sistema de defesa. O impacto empresarial é claro: farmacêuticas e biotechs já testam terapias baseadas em Tregs em ensaios clínicos avançados, buscando reduzir custos hospitalares e aumentar a segurança de imunoterapias oncológicas.

Mais do que premiar descobertas, o Nobel de 2025 captura o espírito de uma era em transição: a ciência não apenas observa o mundo — ela o reconfigura. Na física, isso significa converter propriedades quânticas em vantagem tecnológica. Na química, desenhar materiais sob demanda, como se fossem linhas de código. Na biologia, reprogramar o próprio sistema imunológico para curar sem destruir.

Para executivos, a lição que fica é a de que energia, saúde, manufatura e dados agora compartilham a mesma base: engenharia de fenômenos fundamentais. Essa convergência redefine papéis. Países que conectarem P&D, capital e regulação terão soberania tecnológica. Empresas que traduzirem descobertas em produtos escaláveis e governáveis dominarão o mercado. E líderes que enxergarem a ciência como política industrial — não como patrocínio — estarão um passo à frente.

  • A Física nos lembra que o impossível pode ser mensurado.
  • A Química mostra que o invisível pode ser manufaturado.
  • E a Medicina prova que o corpo humano é, ele mesmo, um sistema de engenharia adaptativa.

Os três prêmios, juntos, contam uma história de convergência: da física quântica ao metabolismo humano, tudo está se tornando plataforma tecnológica. Quem quiser liderar o século XXI vai precisar entender — e investir — na física, na química e na biologia da próxima economia. A mensagem é claríssima: Deep Tech é o novo mainstream.

 


Biotecnologia e IA se retroalimentam

 

Quando os maiores líderes da IA ​​sobem no palco e falam sobre como a IA mudará o mundo... eles estão realmente falando sobre biologia. Sim, eles dizem IA. Mas os casos de uso inovadores são quase sempre biotecnologia habilitada por IA, argumenta Omri Drory, da NFX. IA e biologia não são histórias separadas. Podem ser a mesma história. É inspirador, inevitável e muito financiável, continua.

capital tradicional da área da saúde é limitado e o financiamento de subsídios é instável. No entanto, a IA trouxe um novo conjunto de investidores para a mesa, segundo Drory, quando o foco é ampliado para onde a demanda está crescendo: saúde e IA em tecnologia da saúde, diagnósticos/ferramentas e biofarmacêutica. Aí o fluxo de negócios parece muito diferente e muito ativo.

Na visão de Droy, cientistas são os únicos que podem usar a IA e direcionar essa força poderosa para os maiores problemas do mundo. As maiores empresas de IA do mundo não estão fazendo isso agora. Elas estão competindo por modelos e desenvolvendo aplicativos. Com exceção dos laboratórios isomórficos da filial AlphaFold da DeepMind.

Modelos de base treinados em enormes conjuntos de dados biológicos são excelentes para gerar insights. Mas alguém precisa transformá-los em realidade física. Se a sua plataforma for a camada de tradução — a ponte entre a previsão de IA e a comprovação em laboratório — você se torna indispensável, diz ele. Combinar IA com provas científicas sólidas é uma aposta muito sólida para qualquer investidor, diz ele.

Estamos vendo empresas de biotecnologia gerarem receita antecipada graças aos seus componentes de IA e software. Mais um motivo pelo qual amamos bioplataformas, explica. A maioria das empresas de biotecnologia que apoiamos já se encaixa perfeitamente nessa narrativa. A IA que inventa novas ciências — e a biologia em particular — é essencial para a visão da IA. Jensen Huang disse de forma muito simples: “A IA para a ciência é onde causaremos o maior impacto.”

 


 

CIÊNCIA NO FUTURO

 

Será que a IA, sozinha, ganha Nobel?

Em Ciência, tudo começa com uma hipótese. Ou com um grande experimento, como o que foi desencadeado em 2016 por Hiroaki Kitano, biólogo e CEO da Sony AI: será que veremos, em 2050, uma descoberta científica feita por IAs autônomas cientistas ganhar um Nobel?

A provocação deu origem a um projeto chamado Nobel Turing Challenge, que parte de uma pergunta e um desafio:

  • A pergunta: Os cientistas de IA seriam tão bons quanto seres humanos, a ponto de não conseguirmos fazer a distinção, ou seriam medíocres e suas descobertas seriam muito óbvias?
  • O desafio: Desenvolver Cientistas de IA que realizem pesquisas de forma total ou altamente autônoma e façam descobertas significativas.

A IA já está circulando pelos corredores do Nobel como coadjuvantelembra o artigo da revista Nature que explora esse novo desafio Turing da Ciência. Em 2024, o Nobel de Física foi concedido aos pioneiros do aprendizado de máquina que lançaram as bases para redes neurais artificiais. E metade do Nobel de Química foi concedido aos pesquisadores do Google DeepMind por trás do AlphaFold, que prevê as estruturas 3D de proteínas.

Mas Kitano e seu parceiro Ross King, pesquisador de engenharia química da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, querem ir além testar a possibilidade da IA virar cientista autônoma. A questão é se levará 50 anos ou 10, diz King. Para alguns cientistas, como Yolanda Gil, pesquisadora de IA da Universidade do Sul da Califórnia, seria melhor, mais importante e mais rápido colocar mais dinheiro para financiar pesquisas feitas por humanos, mantendo a IA como uma coadjuvante que acelera tudo.

Para outros, como Sam Rodriques, diretor executivo da FutureHouse, um laboratório de pesquisa em São Francisco, Califórnia, o que estamos vendo é uma evolução em três ondas:

  • Primeiro, a IA é uma assistente muito esperta;
  • Depois, a IA se tornará melhor no desenvolvimento e avaliação de suas próprias hipóteses, pesquisando literatura e analisando dados;
  • E, por último, modelos capazes de fazer suas próprias perguntas vão projetar e realizar seus próprios experimentos, sem humanos.

Agora você responde: isso vale um Nobel, ou desvirtua o princípio da celebração da inventividade humana, sobre o qual ele foi construído?


Conteúdo originalmente produzido e publicado por The Shift.
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