Mudança virou boleto fixo

10 de novembro de 2025

por Cristina De Luca | Publisher The Shift

Mudança virou boleto fixo

A sensação é conhecida: o anúncio de mais uma “transformação”. Novas ferramentas, nova estrutura, nova forma de trabalhar. A sala silencia. Braços cruzados. Olhares calculados. E lá vem o discurso — slides impecáveis, lógica sólida, metas ambiciosas. Mas, quando a reunião termina, o que fica é o mesmo ruído: “Será que desta vez vai mesmo?”.

Este ano, o Gartner ouviu quase 1.000 líderes empresariais e descobriu que 36% das equipes hesitam em agir diante de qualquer nova iniciativa — preferem esperar para ver se ela realmente será implementada. Outros 39% associam mudança diretamente a estresse. E apenas 32% das empresas, globalmente, conseguem que as pessoas adotem novas práticas de forma saudável.

Não é falta de inteligência. É falta de estabilidade emocional.

O erro começa cedo: quem desenha a mudança tem meses para processá-la; quem a recebe, descobre tudo de uma vez. A liderança já entendeu, já racionalizou, já está pensando no rollout. O time ainda está no choque — tentando entender o que acaba de mudar no próprio chão.

 

 

Essa defasagem de tempo cria um abismo emocional. De um lado, a expectativa de “voltar logo à produtividade”. Do outro, a ansiedade de quem ainda nem conseguiu digerir a notícia. E é nesse vácuo que nascem as reações que ninguém vê: e-mails não respondidos, reuniões tensas, energia drenada.

As pessoas passam por estágios — choque, lua de mel, aceitação provisória, luto, frustração, aprovação. A maioria das lideranças ignora o ciclo, cobrando engajamento quando ainda há luto. Resultado: a mudança se arrasta, e o moral afunda.

 

O antídoto é devolver controle

Quando tudo parece desabar, a única coisa que resta é a sensação de controle. E é exatamente isso que líderes precisam devolver às equipes.

Não é sobre convencer. É sobre permitir escolha: de quais tarefas priorizar, de que forma testar o novo processo, de quais métricas acompanhar primeiro. Cada pequena decisão devolve às pessoas o poder de agir — e o cérebro entende que o terreno não é tão instável assim.

Parece um paradoxo, mas é a base da gestão de mudança moderna: quanto mais autonomia, mais rápido vem a aceitação.

Outra pesquisa da Gartner, com mais de 2.500 funcionários mostrou o que funciona na prática. Cconstatou que, quando esses funcionários aplicavam um reflexo de mudança relevante à sua situação, tinham 3,5 vezes mais chances de adotar uma mudança saudável em comparação com aqueles que não aplicavam um reflexo de mudança relevante. O bem-estar mental dos funcionários era 2,2 vezes melhor para aqueles que aplicavam um reflexo de mudança relevante à sua situação, em comparação com os funcionários que não usavam um reflexo de mudança.

São seis reflexos:

  • abrir-se ao novo,
  • gerenciar o tempo,
  • entender o contexto do negócio,
  • usar tecnologia com propósito,
  • colaborar
  • e regular emoções.

Parece simples, mas a diferença é o ensaio. Reflexo se forma na repetição: micromomentos semanais, não workshops trimestrais. As empresas que dominam essa cadência dobram o crescimento de receita ano após ano. Não por mágica — mas porque tornam o imprevisível previsível.

Toda mudança aciona o sistema de ameaça do cérebro. O modelo SCARF, do neurocientista David Rock, mostra por quê: ela toca em cinco gatilhos — status, certeza, autonomia, relacionamento e justiça.

 

Cada um é um risco de sabotagem:

  • Status: medo de perder relevância.
  • Certeza: pavor do desconhecido.
  • Autonomia: aversão a ordens impostas.
  • Relacionamento: isolamento em tempos híbridos.
  • Justiça: suspeita de que nem todos serão tratados igual.

O líder que entende isso muda o jogo. Ele não combate resistência com discurso, mas com desenho: rituais que devolvem status, cronogramas curtos que aumentam certeza, pequenas escolhas que ampliam autonomia, e narrativas que reforçam justiça e vínculo.

A metáfora certa vale mais que cem slides

Durante um programa de transformação global, um CEO percebeu que a lógica não bastava. Ele havia trocado dois antecessores em menos de um ano. A equipe não acreditava mais em PowerPoints. A virada veio quando a liderança usou uma única metáfora: “Levar a Taça pra Casa.” A transformação deixou de ser uma exigência corporativa e virou uma missão coletiva. Times começaram a falar em “jogadas vencedoras”, “MVPs” e “rodadas de campeonato”. O discurso virou prática, e a energia voltou.

O cérebro adora metáforas porque elas reduzem a incerteza. Elas dão forma ao que é abstrato, conectam o emocional ao racional. Não se trata de “falar bonito” — é um ato de liderança: criar uma imagem compartilhada que dê sentido ao caos.

Pesquisas mostram que contar histórias pode ajudar. No entanto, executivos ocupados muitas vezes não têm o tempo, as habilidades e a experiência necessários para criar histórias completas, heróis da transformação e personagens identificáveis. É aqui que as metáforas estratégicas podem ser uma alternativa poderosa.

Uma metáfora é um relâmpago — ela ilumina a paisagem em um instante, ajudando a acalmar o cérebro, coordenar a energia e esclarecer a direção. Para lideranças que navegam pela ambiguidade, pela pressão do tempo e pela resistência, a metáfora certa não apenas descreve a jornada — ela a define. Ela sinaliza rapidamente o que importa, quem estamos nos tornando e como chegaremos lá — juntos. Ao planejar sua próxima transformação, não pergunte apenas: “Qual é a nossa estratégia?”. Pergunte: “Qual metáfora fará as pessoas quererem levar nossa estratégia adiante?”. Deixe a metáfora fazer o trabalho pesado.

Tem mais: lembre-se sempre que empresas que conseguem transformar mudança em rotina geralmente usam uma estrutura simples: 30–60–90 dias de estabilização.

  • Nos primeiros 30 dias, mapeiam as ameaças SCARF e devolvem duas escolhas reais por equipe.
  • Em 60 dias, praticam metas curtas e rituais fixos — microensaios que treinam reflexos.
  • Em 90 dias, incorporam métricas de adoção saudável aos OKRs e celebram o progresso, não a meta final.

É um sistema nervoso organizacional em construção — um modo de operar que aprende enquanto muda.

O novo papel da liderança

A liderança do futuro não inspira. Ela coreografa. É quem traduz o emocional em operacional, quem transforma ambiguidade em rotina. Ele entende que cada mudança é uma negociação entre medo e propósito. E que a governança real não está no Gantt chart, mas em como as pessoas se sentem no meio da transição.

Menos palco, mais bastidor. Menos “visão de futuro”, mais “progresso visível”. Menos promessa, mais ensaio.

Liderar, afinal, é manter o ritmo enquanto o chão ainda se move.

 


 

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