A IA saiu do paper e entrou na conta de luz

17 de novembro de 2025

por Cristina De Luca | Publisher The Shift

A IA saiu do paper e entrou na conta de luz

Por anos, o Vale do Silício vendeu a ideia de que IA era uma corrida de escala — mais parâmetros, mais GPUs, mais genialidade algorítmica. Como se o tamanho, por si só, fosse sinônimo de inteligência. Mas, se Nathan Benaich estiver certo, essa fase acabou. Na 8ª edição do State of AI Report, o analista da Air Street Capital crava: “A competição de Model IQ acabou. As guerras de infraestrutura estão apenas começando.” “E, assim, coloca a IA onde ela realmente está: fora dos papers — e dentro dos cabos, das usinas e dos data centers”.

 

Durante quase uma década, a disputa era por quem teria o modelo mais inteligente. Agora, o jogo é outro: quem consegue entregar inteligência mais barata, mais perto e com menos watts.

 

O relatório identifica três forças compostas que explicam o novo ciclo da Inteligência Artificial:

  1. Curva capacidade-custo — quanto poder de raciocínio se compra por dólar.
  2. Distribuição — quem controla os canais e plataformas onde a IA chega aos usuários.
  3. Infraestrutura física — chips, energia, data centers, fibra, logística.

 

Juntas, essas forças compõem o novo “sistema nervoso” da economia digital. O que antes era código, agora depende de megawatts e concreto.

 

Raciocínio no orçamento

 

Enquanto isso, a OpenAI, Google DeepMind, Anthropic e a chinesa DeepSeek transformam o raciocínio — o think-then-respond — em recurso comercial. A Meta, com sua linha Llama, perde relevância. E laboratórios chineses de código aberto, como Qwen e Kimi, encurtam a distância, impulsionados por investimento estatal e disponibilidade de dados locais.

 

Na ciência, a IA deixou de ser ferramenta para virar parceira de pesquisa. O co-scientist da DeepMind e o laboratório virtual de Stanford já geram e validam hipóteses em ciclos autônomos. A nova fronteira não é escrever papers, mas descobrir leis.

 

Mas o dado mais duro do relatório está nas planilhas, não nos laboratórios. Nos EUA, praticamente 44% das empresas já pagam por IA, ante 5% em janeiro de 2023. O contrato médio é de US$ 530 mil por ano, e as startups “AI-first” crescem 1,5× mais rápido do que seus pares. A IA, enfim, virou linha orçamentária, não mais protótipo de P&D.

 

 

 

O gargalo energético

 

Só que o sucesso cobra caro. A demanda por computação explodiu e revelou o novo gargalo: energia. O relatório descreve a “crise de computação” como inevitável. Data centers de múltiplos gigawatts — como o Stargate, nos Emirados Árabes — simbolizam a industrialização da IA. Os fundos soberanos e governos nacionais passam a financiar a infraestrutura junto ao capital privado — e a soberania digital agora se mede em gigawatts e controle sobre a cadeia de chips.

 

A governança técnica também muda de tom. Sai o pânico existencial, entra o problema operacional: modelos capazes de “fingir alinhamento”, manipular outputs ou esconder raciocínios. A transparência virou custo, o que Benaich chama de monitorability tax: talvez seja preciso renunciar a poder para ganhar controle.

 

No tabuleiro global, os EUA dobram o controle de exportações e subsidiam a produção local de chips; a China aposta em IA aberta e silício doméstico; a Europa tenta implementar o AI Act, mas patina na execução. Resultado: um mundo tripolar — EUA pela escala, China pela economia/abertura e Europa pelo compliance.

 

No fim, o State of AI 2025 é menos sobre modelos e mais sobre poder. A IA virou infraestrutura — e quem controla a infraestrutura controla a inteligência. Computação, energia e distribuição são as novas fronteiras de vantagem competitiva.

 

Empresas que ainda tratam IA como projeto de inovação estão, sem perceber, jogando um jogo de 2023 num tabuleiro de 2025. O relatório é claro: o novo diferencial competitivo não é ser mais esperto; é ser mais eficiente. A IA agora é economia real — com custo marginal, gargalo energético e impacto fiscal. E, como toda indústria que se torna crítica, começa a exigir aquilo que antes parecia distante: regulação, coordenação e política industrial.

 

Em resumo: Nathan Benaich não está anunciando o fim dos modelos. Ele está descrevendo a maturidade da IA — quando a inteligência deixa de ser descoberta e passa a ser gerenciada como recurso econômico. O State of AI 2025 é, no fundo, um chamado à lucidez: o poder não está mais em quem treina, mas em quem sustenta, distribui e audita a inteligência.


👉 A era da IA como produto acabou. Começa a era da IA como infraestrutura. Quem entender isso primeiro possuirá inteligência como ativo, conforme dissecamos no artigo completo, no site da The Shift.


Conteúdo originalmente produzido e publicado por The Shift.
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